segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A árvore de estrelas



Antônia, que esperava a noite chegar, estava, enfim, diante do seu surgimento. Tinha esse costume. Voltava mais cedo para casa só para assisti-la nascer em sua janela. Em seu quarto, ela via o espetáculo que transformava o dia mole de calor em crepúsculo fresco de brisa agradável. Seu José passara de chapéu de palha do outro lado da rua. Vinha da quitanda. Uma bicicleta, um casal, uma senhora com um embrulho e uma garrafa d'água... Foi nesse clima, nessa atmosfera de paz que só certos lugares do interior são capazes de nos dar que a noite se fez completa.

Antônia também gostava de desenhar com giz de cera as constelações que apareciam no vidro da janela de seu quarto. Assim, acompanhava o movimento dos astros, lentos aos olhos, mas de velocidade inimaginável, visto que cruzam os céus. Desenhava. Com uma vela acesa, dançante, ela derretia a ponta de um giz de cera amarelo e encostava no vidro, no lugar em que uma estrela estava brilhando. Fazia o mesmo com o giz branco na lua, com o giz verde para Vênus, a estrela d'alva. Ao final de cada semana limpava o vidro e começa a desenhar tudo de novo. Às vezes, ligava com linhas finas estrelas e planetas, criava constelações. Uma parecia um gato, outra, uma xícara, um menino... E das imagens inventava histórias.

Naquela noite, ao ligar as estrelas viu um pássaro feito com elas. Imaginou uma história onde o espaço sideral era uma árvore infinita e cada planeta um fruto colorido. Ali era a luz das estrelas que guiava todos os seres gigantes que habitavam a copa da árvore-céu. Seu pássaro, feito de astros, voava e bicava os planetas como se fossem goiabas doces, ou tangerinas cheias de suco. Imaginando, riu. Quis como nunca ser dona do pássaro que imaginara. Depois que desenhou o grande pássaro, abriu a janela e foi dormir. Sonhou.

Em seu sonho, o vidro não tinha nenhum de seus desenhos, entretanto, no parapeito de madeira da janela havia pousado um passarinho. Encantada com a beleza do animal, perguntou se ele bicaria nosso mundo de fruto azul, mas antes que o pássaro pudesse responder ela acordou. Levantou-se, esfregou os olhos e foi correndo para janela. Lá, em cima da madeira, não havia o pássaro de seu sonho, mas havia uma semente.

Na manhã seguinte Antônia plantou a semente em seu quintal, e a semente a ensinou, durante muitos anos, que para ser dona dos pássaros é preciso plantar árvores. Árvores da semente da liberdade. Como as árvores do céu.

(Postado por Ricardo Raele )

domingo, 5 de dezembro de 2010

História triste de tuim


João-de-barro é um bicho bobo que ninguém pega, embora goste de ficar perto da gente; mas de dentro daquela casa de joão-de-barro vinha uma espécie de choro, um chorinho fazendo tuim, tuim, tuim...


A casa estava num galho alto, mas um menino subiu até perto, depois com uma vara de bambu conseguiu tirar a casa sem quebrar e veio baixando até o outro menino apanhar. Dentro, naquele quartinho que fica bem escondido depois do corredor de entrada para o vento não incomodar, havia três filhotes, não de joão-de-barro, mas de tuim.

Você conhece, não? De todos esses periquitinhos que tem no Brasil, tuim é capaz de ser o menor. Tem bico redondo e rabo curto e é todo verde, mas o macho tem umas penas azuis para enfeitar. Três filhotes, um mais feio que o outro, ainda sem penas, os três chorando. O menino levou-os para casa, inventou comidinhas para eles; um morreu, outro morreu, ficou um.

Geralmente se cria em casa é casal de tuim, especialmente para se apreciar o namorinho deles. Mas aquele tuim macho foi criado sozinho e, como se diz na roça, criado no dedo. Passava o dia solto, esvoaçando em volta da casa da fazenda, comendo sementinhas de imbaúba. Se aparecia uma visita fazia-se aquela demonstração: era o menino chegar na varanda e gritar para o arvoredo: tuim, tuim, tuim! Às vezes demorava, então a visita achava que aquilo era brincadeira do menino, de repente surgia a ave, vinha certinho pousar no dedo do garoto.

Mas o pai disse: "menino, você está criando muito amor a esse bicho, quero avisar: tuim é acostumado a viver em bando. Esse bichinho, se acostuma assim, toda tarde vem procurar sua gaiola para dormir, mas no dia que passar pela fazenda um bando de tuins, adeus. Ou você prende o tuim ou ele vai-se embora com os outros; mesmo ele estando preso e ouvindo o bando passar, você está arriscado a ele morrer de tristeza".

E o menino vivia de ouvido no ar, com medo de ouvir bando de tuim.

Foi de manhã, ele estava catando minhoca para pescar quando viu o bando chegar; não tinha engano: era tuim, tuim, tuim... Todos desceram ali mesmo em mangueiras, mamonas e num bambuzal, divididos em pares. E o seu? Já tinha sumido, estava no meio deles, logo depois todos sumiram para uma roça de arroz; o menino gritava com o dedinho esticado para o tuim voltar; nada.

Só parou de chorar quando o pai chegou a cavalo, soube da coisa, disse: "venha cá". E disse: "o senhor é um homem, estava avisado do que ia acontecer, portanto, não chore mais".

O menino parou de chorar, porque tinha brio, mas como doía seu coração! De repente, olhe o tuim na varanda! Foi uma alegria na casa que foi uma beleza, até o pai confessou que ele também estivera muito infeliz com o sumiço do tuim.

Houve quase um conselho de família, quando acabaram as férias: deixar o tuim, levar o tuim para São Paulo? Voltaram para a cidade com o tuim, o menino toda hora dando comidinha a ele na viagem. O pai avisou: "aqui na cidade ele não pode andar solto; é um bicho da roça e se perde, o senhor está avisado".

Aquilo encheu de medo o coração do menino. Fechava as janelas para soltar o tuim dentro de casa, andava com ele no dedo, ele voava pela sala; a mãe e a irmã não aprovavam, o tuim sujava dentro de casa.

Soltar um pouquinho no quintal não devia ser perigo, desde que ficasse perto; se ele quisesse voar para longe era só chamar, que voltava; mas uma vez não voltou.

De casa em casa, o menino foi indagando pelo tuim: "que é tuim?" perguntavam pessoas ignorantes. "Tuim?" Que raiva! Pedia licença para olhar no quintal de cada casa, perdeu a hora de almoçar e ir para a escola, foi para outra rua, para outra.

Teve uma idéia, foi ao armazém de "seu" Perrota: "tem gaiola para vender?" Disseram que tinha. "Venderam alguma gaiola hoje?" Tinham vendido uma para uma casa ali perto.

Foi lá, chorando, disse ao dono da casa: "se não prenderam o meu tuim então por que o senhor comprou gaiola hoje?"

O homem acabou confessando que tinha aparecido um periquitinho verde sim, de rabo curto, não sabia que chamava tuim. Ofereceu comprar, o filho dele gostara tanto, ia ficar desapontado quando voltasse da escola e não achasse mais o bichinho. "Não senhor, o tuim é meu, foi criado por mim." Voltou para casa com o tuim no dedo.

Pegou uma tesoura: era triste, era uma judiação, mas era preciso; cortou as asinhas; assim o bicho poderia andar solto no quintal, e nunca mais fugiria.

Depois foi lá dentro fazer uma coisa que estava precisando fazer, e, quando voltou para dar comida a seu tuim, viu só algumas penas verdes e as manchas de sangue no cimento. Subiu num caixote para olhar por cima do muro, e ainda viu o vulto de um gato ruivo que sumia.

Acabou-se a história do tuim.

( Rubem Braga, Para gostar de ler, v. 1.)

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Por que a Galinha d’Angola tem pintas brancas?

Os mais antigos contam que esta história aconteceu durante uma das piores secas ocorridas nas savanas ao Sul da África.

O sol, inclemente, castigava todos os seres vivos: plantas e animais.

Logo os rios e lagos secaram, aumentando o sofrimento. O calor abria fendas no solo e levantava uma espessa poeira que borrava de cinza o céu borrado de azul.

Os habitantes dos vilarejos, desnorteados, fugiram para as montanhas, rogando por chuvas, mas não havia prece que desse jeito na calamidade.

Um dia, porém, uma mancha escura despontou no horizonte. Todos ficaram excitados. Sinal de que as chuvas estavam se aproximando.

Só que um elefante, desengonçado, atrapalhou tudo. Afugentando a nuvem.

A galinha-d'angola que, naquela época, além de uma crista avermelhada no alto da cabeça, tinha as penas inteiramente pretas, não se conteve. Indignada com a atitude do paquiderme, correu horas e horas atrás da nuvem, suplicando para que ela retornasse, sem se importar com os espinhos que iam rasgando-lhe as pernas desnudas.

- Por favor, Senhora, volte. Por favor, Senhora, volte – repetia sem cessar, enquanto o sangue escorria por suas feridas.

A Dona das Águas, finalmente, parou e disse:

- Por causa de sua perseverança, da sua dor e da sua preocupação com o destino de todas as outras criaturas, eu regressarei. Graças aos meus poderes, interromperei a seca.

- Obrigada - agradeceu a ofegante corredora.

- E, como você se dirigiu a mim de um modo tão respeitoso, receberá de presente o brilho das gotas da chuva, que cairão sobre o seu corpo. Assim, será uma das aves mais bonitas da terra.

Não demorou muito para desabar um temporal, em meio a raios e trovões. A galinha,d'angola, toda molhada, ganhou como ornamento os pingos que foram resvalando em suas penas, transformando,a, como fora prometido, em uma das aves mais lindas de toda a África.

Devido à canseira dagalinha-d'angola, suas descendentes ciscam por vários cantos do planeta, agitando a penugem de cor negra, como a pele da maioria dos povos de seu extenso continente. Enquanto exibem as penas salpicadas de pintas brancas} as galinhas-d'angola cacarejam como se estivessem expressando, até hoje, o esforço empreendido por sua ancestral:

_ To fraca, to fraca, to fraca, to fraca!


( Outros contos africanos para crianças brasileira – Rogério Andrade Barbosa)