sábado, 23 de dezembro de 2023

A VIDA E AS ESTAÇÕES

 

(Martha Medeiros)

Eu queria que a vida fosse dividida em quatro estágios, mas que não acabasse nunca
A infância é como a primavera. É pura novidade e um calor que não sufoca nem faz pensar bobagens. Tem uma inocência quase cafona, uma singeleza clássica, e traz no íntimo a certeza de que pela frente vem coisa boa. A gente quer que passe logo, mas sabe que nunca mais será tão protegido, a mordomia não será eterna. É quando as coisas acontecem pela primeira vez, é quando num arbusto verde vemos surgir alguns vermelhos, é surpresa, a primeira de uma série.
A adolescência é como o verão. Quente, petulante, libidinosa.
Parece que não vai haver tempo para fazer tudo o que se quer e o que se teme. É musical e fotogênica. Dúvidas, dúvidas, dúvidas em frente ao mar. Mergulha-se no profundo e no raso. Pouca roupa, pouca bagagem. Curiosidade. Vontade que dure para sempre, certeza de que passa.
Noção do corpo. Festas e religião. Amor e fé.
A maturidade é como o outono. Um longo e instável outono,
que alterna dias quentes e frios, que nos emociona e nos gripa. Há mais beleza e o ar é mais seco, porém é quando se colhem os melhores abraços. Ficar sozinho passa a não ser tão aterrorizante. Fugimos para a praia, fugimos para a serra, as idéias aprendem a se movimentar, a fazer a mala rápido, a trocar de rota se o desejo se impuser, e não é preciso consultar o pai e a mãe antes de errar. É o outono que tentamos conservar.
O inverno é como a velhice. Tem sua beleza igualmente, exige lã, bolsa de água quente, termômetro e uma janela bem vedada. O que não queremos que entre? Maus presságios. O inverno é frio como despedida de um grande amor, mas sabemos que tudo voltará a ser ameno. Queremos que passe, temos medo que termine. Ficar sozinho volta a ser aterrorizante. O inverno é branco, é cinza, é prata. É grisalho. 
E, de repente, também passa.
Eu queria que tudo fosse verdade, que a vida fosse assim dividida em quatro estágios que mais parecem estações do ano, mas que não acabasse, que depois do inverno viesse outra primavera, e outro verão, e outro outono, que nunca são iguais, mas sempre se repetem, sempre voltam, são tão certos quanto o sol e a lua, todo dia, toda noite. Eu queria.

quarta-feira, 1 de março de 2023

Águas de Março

 É pau, é pedra, é o fim do caminho

É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é o laço, é o anzol
É peroba do campo, é o nó da madeira
Caingá, candeia, é o Matita Pereira
É madeira de vento, tombo da ribanceira
É o mistério profundo, é o queira ou não queira
É o vento ventando, é o fim da ladeira
É a viga, é o vão, festa da cumueira
É a chuva chovendo, é conversa ribeira
Das águas de março, é o fim da canseira
É o pé, é o chão, é a marcha estradeira
Passarinho na mão, pedra de atiradeira
É uma ave no céu, é uma ave no chão
É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão
É o fundo do poço, é o fim do caminho
No rosto, o desgosto, é um pouco sozinho
É um estrepe, é um prego, é uma ponta, é um ponto
É um pingo pingando, é uma conta, é um conto
É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando
É a luz da manhã, é o tijolo chegando
É a lenha, é o dia, é o fim da picada
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada
É o projeto da casa, é o corpo na cama
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um resto de mato, na luz da manhã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É uma cobra, é um pau, é João, é José
É um espinho na mão, é um corte no pé
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um belo horizonte, é uma febre terçã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
Au, edra, im, minho
Esto, oco, ouco, inho
Aco, idro, ida, ol, oite, orte, aço, zol
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração

domingo, 1 de janeiro de 2023

Renova-te



Renasce em ti mesmo.

Multiplica os teus olhos, para verem mais.

Multiplica-se os teus braços para semeares tudo.

Destrói os olhos que tiverem visto.

Cria outros, para as visões novas.

Destrói os braços que tiverem semeado,

Para se esquecerem de colher.

Sê sempre o mesmo.

Sempre outro. Mas sempre alto.

Sempre longe.

E dentro de tudo.

 

Cecília Meireles


quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

São Nicolau

 


Nicolau é também conhecido por São Nicolau de Mira e de Bari. Venerado, amado e muito querido por todos os cristãos do Ocidente e do Oriente. É um dos santos mais popular da Igreja. É o padroeiro da Rússia, de Moscou, da Grécia, de Lorena, na França, de Mira, na Turquia, e de Bari, na Itália, das crianças, das moças solteiras, dos marinheiros, dos cativos e dos lojistas. Por tudo isso os dados de sua vida se misturam às tradições seculares do cristianismo.

Filho da nobreza, Nicolau nasceu na cidade de Patara, na Ásia Menor, na metade do século III, provavelmente no ano 250.

A tradição diz que os pais de Nicolau, muito ricos e extremamente religiosos. Nicolau era uma criança com inclinação à virtuosidade espiritual, pois nas quartas e nas sextas-feiras rejeitava o leite materno, ou seja, já praticava jejum voluntário. Quando jovem, desprezava os divertimentos e vaidades, preferindo frequentar a igreja. Costumava fazer doações anônimas em moedas de ouro, roupas e comida às viúvas e aos pobres.

Mais tarde, quando já era bispo, um pai, não tendo o dinheiro para constituir o dote de suas três filhas e poder bem casá-las, havia decidido mandá-las à prostituição. Nicolau tomou conhecimento dessa intenção, encheu três saquinhos com moedas de ouro, o dote de cada uma das jovens, para salvar-lhes a pureza. Durante três noites seguidas, foi à porta da casa daquele pai, onde deixou o dote para uma delas como presente. Desse fato veio a sua fama de dar presentes para salvar as almas das ciladas do demônio.

Foi consagrado bispo de Mira, atual Turquia, quando ainda muito jovem e desenvolveu seu apostolado também na Palestina e no Egito. Mais adiante, durante as perseguições do imperador Diocleciano, foi aprisionado até a época em que foi decretado o Edito de Constantino, sendo finalmente libertado.

Segundo alguns historiadores, o bispo Nicolau esteve presente no primeiro Concílio, em Nicéia, no ano 325, no qual foi condenada a heresia ariana. Na abertura desse concílio, o imperador Constantino ajoelhou-se diante de São Nicolau e de outros santos varões que ha­viam padecido na última persegui­ção, e beijou com respeito suas gloriosas cicatrizes.

Foi venerado como santo ainda quando estava vivo, tal era a fama de taumaturgo que gozava entre o povo cristão da Ásia. Morreu no dia 6 de dezembro de 326, em Mira. Logo, o local em que fora sepultado se tornou meta de intensa peregrinação.

Suas relíquias foram transpor­tadas para Bari, no sul da Itália, onde até hoje são objeto de gran­de veneração.  Seu culto se propagou em toda a Europa.

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

O CÁGADO E A FRUTA




Diz que foi um dia, havia no mato uma fruta que todos os bichos tinham vontade de comer; mas era proibido comer a tal fruta sem primeiro saber o nome dela. Todos os animais iam à casa de uma mulher que morava nas paragens onde estava o pé de fruta, perguntavam a ela o nome, e voltavam para comer; mas quando chegavam lá não se lembravam mais do nome. Assim aconteceu com todos os bichos que iam e voltavam, e nada de acertar com o nome. Faltava somente amigo cágado; os outros foram chamar ele para ir por sua vez. Alguns caçoavam muito, dizendo: “Quando os outros não acertaram, quanto mais ele!”

 Amigo cágado partiu munido de uma violinha; quando chegou na casa da mulher perguntou o nome da fruta. Ela disse: “Boyoyô-boyoyôquizamaquizu, boyoyô-boyoyôquizamaquizu.”

 Mas a mulher, depois que cada bicho ia-se retirando já em alguma distância, punha-se de lá a bradar: “Ó amigo tal, o nome não é esse, não!” E dizia outros nomes; o bicho se atrapalhava, e quando chegava ao pé de fruta não sabia mais o nome. Com o cágado não foi assim, porque ele deu de mão à sua violinha, e pôs-se a cantar o nome até ao lugar da árvore, e venceu a todos.

 Mas amiga onça, que já lá estava à sua espera, disse-lhe: “Amigo cágado, você como não pode trepar, deixe que eu trepe para tirar as frutas, e você em paga me dá algumas.” O cágado consentiu; ela encheu o seu saco e largou-se sem lhe dar nenhuma. O cágado, muito zangado, largou-se atrás.

 Chegando os dois a um rio ele disse à onça: “Amiga onça, aqui você me dê o saco para eu passar, que sou melhor nadador, e você passa depois.” A onça concordou, mas o sabido, quando se viu da outra banda, sumiu-se, ficando a onça lograda. Esta formou o plano de o matar; ele soube e meteu-se debaixo de uma raiz grande de árvore onde ela costumava descansar.

 Aí chegada, pôs-se ela a gritar: “Amigo cágado, amigo cágado!” O sabido respondia ali de pertinho: “Oi.” A onça olhava de uma banda e doutra e não via ninguém. Ficou muito espantada, e pensou que era o seu traseiro que respondia.

 Pôs-se de novo a gritar, e sempre o cágado respondendo: “Oi!”, e ela: “Cala a boca, oveiro!”, e sempre a coisa para diante. Amigo macaco veio passando, e a onça lhe contou o caso da desobediência de seu traseiro e lhe pediu que o açoitasse. O macaco tanto executou a obra que a matou. Deu-se então o cágado por satisfeito.

 

ROMERO, Silvio. Contos Populares do Brasil. São Paulo: Landy Editora, 2008.

quarta-feira, 30 de março de 2022

O Caldeireiro

 

 

 


Um caldeireiro foi contratado para consertar um enorme sistema de caldeiras de um navio a vapor que não estava funcionando bem. Após escutar a descrição feita pelo engenheiro quanto aos problemas e de haver feito umas poucas perguntas, dirigiu-se à sala de máquinas. Olhou, durante alguns instantes, para o labirinto de tubos retorcidos. A seguir, pôs-se a escutar o ruído surdo das caldeiras e o silvo do vapor que escapava. Com as mãos apalpou alguns tubos. Depois, cantarolando suavemente só para si, procurou em seu avental alguma coisa e tirou de lá um pequeno martelo, com o qual bateu apenas uma vez em uma válvula vermelha. Imediatamente, o sistema inteiro começou a trabalhar com perfeição e o caldeireiro voltou para casa.

Quando o dono do navio recebeu uma conta de R$ 2.000,00 queixou-se de que o caldeireiro só havia ficado na sala de máquinas durante quinze minutos e solicitou uma conta pormenorizada.

Eis o que o caldeireiro lhe enviou:

Total ................: R$ 2.000,00

Martelada ..........: R$       0,50

Onde martelar ....: R$ 1.999,50

 

fonte: http://paxprofundis.org/livros/parabolas/parabolas.html

quinta-feira, 24 de março de 2022

O Catavento




Um cata vento voando no céu
la fora o vento e 2 barcos de papel
O puro encanto para quem olha distante ao léu
O Sol o Céu as Estrelas e o Luar

E o cata vento sobrevoa mais uma casa ao luar
procurando um coração, para o seu objetivo alcançar

O mar escureceu e para o céu você se vendeu
as estrelas começaram a brilhar...
Há... meu amor enquanto elas brilharem saberei
que estás comigo até se eles não deixarem

E o cata vento sobrevoa mais uma casa ao luar
procurando um coração, para o seu objetivo alcançar

quarta-feira, 16 de março de 2022

História de assombração

 



Mário Neme

Pois não é que eles vinham vindo pela estrada fria, Nhô Be e Chico, dois homens. Vinham vindo pelo estradão sem fim, naquela noite amarga de escura, nem uma estrela no céu, nenhuma claridade, tudo negro, tudo medonho. Era quase meia-noite e eles vinham vindo, só com o facão na cintura, voltando pro rancho.

Nisso estavam chegando perto da casa do defunto Miguelangelo, uma tapera, abandonada, que de noite apareciam lá não sei quantas almas do outro mundo. Muita gente já tinha visto as tais almas cantando, tinha dado tiro nelas, mas a bala não pegava. Uma tocava viola, uma viola chorosa e bem afinada, mas ninguém via a viola. Coisa misteriosa. Era mesmo daquelas assombrações que a gente respeita e passa longe, evita elas, mas, Nhô Be não acreditava "nessas bobagens não".

— Isso de assombração é besteira, Chico.

— Se é, compadre.

— Pois eu não acredito nisso e acho que é até pecado acreditar. O pessoal lá em casa é meio besta, acredita, isto é, a mulherada que é meio besta.

— Em casa também, compadre.

—Negadinha boba, Chico. Donde se viu?! Eu nunca tive medo dessas invenções.

— Nem eu, Nhô Be, nem eu.

Eu estava orgulhoso de ver dois bravos com essa coragem formidável, isso sim, era gente pra pôr num conto, até dava gosto lidar com eles. Precisava ver quando, daí a pouco, desabou uma tempestade de acabar o mundo, daquelas mesmo de lavar a terra e a gente não se agüentar em pé debaixo dela.

Chuáaa, e a aguaceira caía que não era vida! Então, os dois homens estavam bem pertinho da casa mal-assombrada, onde tinham matado o defunto Miguelangelo. Foi uma barbaridade aquela morte, quebraram os dentes dele, quebraram os dedos dos pés e das mãos e depois deixaram o velho ir morrendo devagarinho, naquele sofrimento, que só aquilo merecia o céu.

Estavam mesmo na frente da casa, e a chuva de não se agüentar em­
baixo. Nhô Be falou para o companheiro:                                                           

— Acho que é melhor a gente entrar na casa e esperar passar a chuva, Chico.

— Mas é que essa casa tem uma fama desgraçada, compadre...

— O que tem isso, Chico? Pois a gente não tem medo de assombração.

— Ah! É mesmo, compadre! Então vamos.

E foram. Entraram sem abrir a porta, porque não tinha porta mais, nem j anela.

Mas entraram com muita precaução, espiaram pra dentro, foram andando de manso, chegaram no centro da casa, juntaram uns gravetos, e tal, e fizeram fogo.

O fogo eles disseram, lá entre eles, que era para esquentar o corpo, mas eu desconfio que era pra espantar as almas do outro mundo. Porque, francamente, eles não estavam muito firmes, não. Coragem eles tinham e bastante, mas, numa hora dessas, num lugar assim de má fama, meia-noite, aquela chuva torvando, aquela casa escangalhada, a gente fica mesmo meio esquerda. Mas eles estavam ali, firmes.

De repente, um barulhinho esquisito, que nem gente que pisa disfarçado. Os dois estavam agachados na frente do foguinho, nessa hora arregalaram os olhos, ficaram assustando pro lado do barulho, que era no vão da porta.

Pra dizer a verdade, estavam com os olhos deste tamanho, olhavam um pró outro e depois pra porta. Outro barulhinho mais perto e apareceu

Uma sombra se mexendo na porta. Nhô Be puxou a faca da cintura. Chico segurou a "pernambucana" e ficou pronto pra enfrentar o bicho. Mas, porém, o bicho não era "aquele bicho". Era um franguinho. O pobre vi­nha todo molhado, pingando chuva, querendo encontrar um cantinho pra se esquentar. Aquilo foi um contentamento prós dois, um alívio pra eles, até para mim que não tinha nada com o caso. Não é que eles tivessem medo, mas, numa hora daquelas, aquele barulho na porta, um negócio assim que vinha agachado prô lado deles, era mesmo pra gente arregalar os olhos e parar a suspiração.

— Está vendo, Chico, se a gente tivesse medo podia até morrer de susto agora, pois é só um franguinho.

— Pois é, compadre, um franguinho, um franguinho, compadre...

O franguinho veio vindo, chegou perto do fogo, chacoalhou as asas, esticou o pescoço pra cima, fez assim uma carinha de gente e falou prós dois com voz de trovão:

— PUXA VIDA, COMO ESTÁ CHOVENDO, NÃO?



sábado, 12 de março de 2022

A parábola de Chuang-Tzu


 Chuang-Tzu sonhou que era uma borboleta e, ao despertar, não sabia se era um homem que havia sonhado ser uma borboleta ou uma borboleta que agora sonhava ser homem.

 

 Jorge Luis Borges, Buda, Rio de Janeiro: Editora



Bertrand Brasil, 1993


quinta-feira, 3 de março de 2022

Chuva e o Fogo

 


          

Contam os antigos que, num tempo distante e em terras mais distantes ainda, existia no "Vale do Fogo Ardente", um jovem foguinho conhecido por FOGARÉU. E, ao sul desse Vale, existia ali a "Terra da Garoa" onde vivia uma Chuvinha linda, linda! Todas as tardes, Fogaréu observava do alto de uma encosta rochosa a linda Chuvinha brincando lá longe, lançando suas águas de encontro à mata, dando assim, com os raios do sol, a ilusão de uma linda cachoeira de diamantes. Fogaréu se encantava com aquela cena e a cada dia, seu coração ardia não de fogo, mas de paixão. Do outro lado, Chuvinha também se derretia de paixão, olhando Fogaréu com suas chamas vermelhas balançando ao vento.

 

Certa vez, Fogaréu resolveu declarar sua paixão por Chuvinha à sua amiga Águia que também, todas as tardes, sobrevoava lá do alto, o Vale do Fogo Ardente. Muito comovida, a amiga Águia pensou em promover um encontro entre Fogaréu e Chuvinha. Em meio a tanta alegria, Fogaréu de repente se abateu, porque não sabia como isso poderia acontecer, já que no Vale do Fogo Ardente nunca podia chover e na Terra da Garoa Fogaréu não podia entrar. A amiga Águia pensou, voou, pensou e num bater de asas, EUREKA!!! Muito animada, lá de cima a amiga Águia disse a Fogaréu:

 - Fogaréu?! Vamos falar com a Mãe Natureza e promover esse encontro ali na Floresta que divide as duas terras. Vamos realizar esse encontro na terra onde tudo pode acontecer, na "Terra do Faz de Conta". Sem pestanejar, Fogaréu adorou a idéia e a amiga Águia mais que depressa voou até a Terra do Faz de Conta para conversar com a Mãe Natureza sobre o encontro.

 Ao receber o pedido de Fogaréu, trazido por D. Águia, Mãe Natureza ficou muito preocupada porque temia pela segurança dos animais da Terra do Faz de Conta, temendo ainda um incêndio provocado por Fogaréu. O Papagaio, o bichinho mais curioso e fofoqueiro da floresta, ouvindo tudo atrás de uma bananeira, não perdeu tempo e espalhou a notícia:

 - Purutaco, tataco, FOGARÉU e CHUVINHA vão se encontrar aqui na Terra do Faz de Conta. Os animais alvoroçados foram diretamente ao encontro da Mãe Natureza para saber sobre a notícia que se espalhara. A grande dúvida, ou melhor, o grande medo era onde, dentro da Terra do Faz de Conta, esse encontro poderia acontecer. Fala daqui, reclama dali, quando o Dom Calango, deu um grito dizendo:

 - Silênnnnciooooooo!!!! Eu sei onde Fogaréu e Chuvinha podem se encontrar. Só tem um lugar dentro da Terra do Faz de Conta que não oferecerá muito perigo e esse lugar está bem no centro da Floresta. É lá nas rochas dos calangos, cobras e lagartos.

 A Mãe Natureza, ainda muito receosa mas, com seu grande coração de mãe acatou a idéia e até marcou a data do encontro: 12 de junho, em comemoração ao dia de todos os animais apaixonados. Faltando apenas três dias para o encontro, todos os animais já estavam sabendo pois, o Elefante com sua tromba, anunciava por toda a mata como se fosse um carro de som. O macaco pulando de galho em galho, aproveitava a oportunidade para vender ingressos dos melhores lugares em cima das copas das árvores. A hiena, essa só sabia rir e dizer a todos que esse encontro não ia acabar bem mas que mesmo assim, ia estar lá para presenciar esse desfecho. O bicho Preguiça, com medo de perder esse espetáculo amoroso, comprou um ingresso do macaco e tratou logo de já ir andando, com toda sua paciência, para chegar a tempo do grande espetáculo. Um bando de andorinhas, a convite de seus primos pardais, veio de muito longe, viajando milhas só para assistirem a cerimônia amorosa. O Rei Leão rapidinho procurou D. Aranha, costureira de sucesso por toda a região, pedindo a mesma que fizesse uma linda túnica real com suas teias finas e reluzentes como ouro. Enfim, todos os animais se manifestavam ansiosos e felizes com o encontro de Fogaréu e Chuvinha.

 E por falar nos dois, Fogaréu e Chuvinha, muito emocionados também se preparavam para o encontro. Ele, o Fogaréu tratou logo de se esticar sob o sol e dar uma queimadinha, para manter o bronzeado. Ela, a Chuvinha, preferiu tomar um banho de Chuva de Rosas com ervas silvestres. Ah! A amiga Águia, essa fora convidada pelo casal de namorados para fazer o papel de mestre de cerimônia da nova união. Tudo pronto, público presente no grande palco do evento, D. Águia abre o espetáculo convidando a Orquestra Filarmônica da Grande Floresta, composta pelos tenores Sabiá e D. Cigarra e pelos sopranos Bem-te-vi e D. Sariema, além dos demais músicos, como D. Coruja e Sr. Raposão, tudo isto sob a regência do Maestro Galo de Viena para, assim tocarem "Danúbio Azul" durante a entrada dos namorados. Logo após a entrada de Fogaréu e Chuvinha, chega a hora de ambos se apresentarem um para o outro e para toda a bicharada. Fogaréu, em meio a grande emoção assim exclamou:

 

- Querida Chuvinha, queria poder te esquentar em meus braços mas, como o Destino assim não me permite, saiba que apenas uma de suas gotas que cair sobre meu coração, servirá como bálsamo para transformar essa paixão ardente em Amor escaldante.

 

Todos os animais se levantaram para aplaudir Fogaréu. A mamãe Ursa, mal se continha de tanto chorar. O silêncio mais uma vez tomou conta da Terra do Faz de Conta. Era a vez de todos ouvirem Chuvinha e, foi dessa forma que ela falou:

 - Amado Fogaréu, há tempos em que derramo gotas lacrimejantes de paixão por você. Não me sentiria derrotada se para ficar contigo tivesse que secar-me toda, acabando com toda minha água, pois, o meu Amor por você mergulha cada dia mais fundo dentro das águas de minha alma. Te amo!!! Mais choro, mais emoção.

 Os animais pulavam sobre os galhos das árvores, fazendo com que estas derramassem suas folhas sobre o os namorados. De repente, o bicho Preguiça, que ainda subia na árvore, chega até seu galho que, naquele momento, estava lotado de animais. Arreda daqui, espreme de lá. Epa, que barulho é esse, gritou o chimpanzé! Cleck, crack, esse galho vai quebrar retrucou o Esquilo. Os bichos apavorados com a situação se desesperaram e sem que esses pudessem descer, a girafa gritou: Madeeeiiiiraaaaaa!!!! O galho imenso, daquela árvore maior ainda, veio caindo, caindo e para infelicidade geral, esse caiu bem em cima de Fogaréu que, sem querer, espalhou suas chamas pelo galho, que também as fez espalhar para outros galhos de outras árvores, começando assim um incêndio na Terra do Faz de Conta. Os animais apavorados, corriam descontroladamente. O Elefante que antes anunciava o Grande Encontro, só gritava: Salve-se quem puder!!! E Fogaréu, coitado, a cada movimento de desespero seu espalhava mais fogo ainda pela floresta. A mãe Natureza, chorando muito, chamou D. Águia para que essa dissesse a Chuvinha para jogar água, bastante água e bem forte sobre tudo que estava lá em baixo, pois só assim, o incêndio não devastaria toda a mata e nem mataria nenhum animal. Ao receber a ordem, Chuvinha disse que não poderia fazer isto, porque acabaria com Fogaréu, o grande amor de sua vida. Mas e os animais? E a floresta? Perguntou D. Águia. Lá em baixo, bem no centro do grande tumulto, uma voz ecoa alto, chegando através do vento nos ouvidos de Chuvinha. Era Fogaréu que gritava assim:

 - Chuvinha meu amor, use suas águas e acabe com o mal que provoquei. Mesmo que eu morra, você viverá comigo na eternidade e espero que eu também viva com você em suas lembranças.

 Chuvinha, triste, bastante triste, começou a chorar e foi esse seu choro que soprado pelo vento, começou a molhar a Terra do Faz de Conta. A cada gota que caía, Chuvinha não se continha e chorava mais forte, fazendo com que mais forte suas lágrimas caíssem sobre a terra. Chorou, chorou e quando esta se deu conta que o incêndio estava acabando e o que é pior, que FOGARÉU estava desaparecendo, caiu profundamente em um pranto incontrolável, chorando até a última de sua gota. Passado o tormento, os animais que haviam se escondido, voltaram para o centro da Floresta, o palco do espetáculo. Só que dessa vez, as estrelas do show não se encontravam mais lá. Fogaréu acabara de ser morto por Chuvinha e ela, também morrera porque não resistiu a dor de ter assim matado seu grande amor e chorou até secar todas suas águas. Mas, de repente, o rei Leão pede silêncio a todos e lá no céu, com a fumaça que subira dos restos queimados por Fogaréu e apagados por chuvinha, todos os bichos avistaram uma mensagem que se formou e dizia assim:

 - MESMO QUE NÓS NÃO ESTEJAMOS MAIS JUNTOS AQUI, MESMO QUE NOSSAS VIDAS JÁ NÃO SEJAM MAIS VIVIDAS POR NÓS, ESTAMOS JUNTOS NA ETERNIDADE DE NOSSAS ALMAS, PORQUE PODEM CALAR NOSSAS VOZES, MAS, NUNCA PODERÃO SILENCIAR NOSSO GRITO DE AMOR.

 Contribuição de Rinaldo Cláudio Guimarães Integrante do Grupo "Encantadores de Histórias".