sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Sempre não


Um cavaleiro, casado com uma dama nobre e formosa, teve de ir fazer uma longa jornada: receando acontecesse algum caso desagradável enquanto estivesse ausente, fez com que a mulher lhe prometesse que enquanto ele estivesse fora de casa diria a tudo: – Não.
Assim pensava o cavaleiro que resguardaria o seu castelo do atrevimento dos pajens ou de qualquer aventureiro que por ali passasse.
O cavaleiro já havia muito que se demorava na corte, e a mulher aborrecida na solidão do castelo não tinha outra distração senão passar as tardes a olhar para longe, da torre do miradouro. Um dia passou um cavaleiro, todo galante, e cumprimentou a dama: ela fez-lhe a sua mesura. O cavaleiro viu-a tão formosa, que sentiu logo ali uma grande paixão, e disse:
 – Senhora de toda a formosura! Consentis que descanse esta noite no vosso solar? Ela respondeu:
– Não!
O cavaleiro ficou um pouco admirado da secura daquele não, e continuou: – Pois quereis que seja comido dos lobos ao atravessar a serra? Ela respondeu:
– Não.
Mais pasmado ficou o cavaleiro com aquela mudança, e insistiu: – E quereis que vá cair nas mãos dos salteadores ao passar pela floresta? Ela respondeu:
– Não.
Começou o cavaleiro a compreender que aquele Não seria talvez sermão encomendado, e virou as suas perguntas:
– Então me fechais o vosso castelo? Ela respondeu:
– Não.
– Recusais que pernoite aqui?
– Não.
Diante destas respostas o cavaleiro entrou no castelo e foi conversar com a dama e a tudo o que lhe dizia ela foi sempre respondendo – Não. Quando no fim do serão se despediam para se recolherem a suas câmaras, disse o cavaleiro:
– Consentis que eu fique longe de vós? Ela respondeu:
– Não.
 – E que me retire do vosso quarto?
 – Não.
O cavaleiro partiu, e chegou à corte, onde estavam muitos fidalgos conversando ao braseiro, e contando as suas aventuras. Coube a vez ao que tinha chegado, e contou a história do Não; mas quando ia já a contar a modo como se metera na cama da castelã, o marido já sem ter mão em si, perguntou agoniado:
 – Mas onde foi isso cavaleiro?
O outro percebeu a aflição do marido e continuou sereno:
– Ora, quando ia eu a entrar para o quarto da dama, tropeço no tapete, sinto um grande solavanco, e acordo! Fiquei desesperado em interromper-se um sonho tão lindo.
O marido respirou aliviado, mas de todas as histórias foi aquela a mais formidável.
                                                    
 (Teófilo Braga – Conto tradicional português - enviado por maria Cândida Figueira)

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