Um casal de velhos possuía dois
filhos homens, João e Pedro, este tão astucioso e vadio que o chamavam Pedro
Malazarte. Como era gente pobre, o filho mais velho saiu para ganhar a vida e
empregou-se numa fazenda onde o proprietário era rico e cheio de velhacarias,
não pagando aos empregados porque fazia contratos impossíveis de cumprimento.
João trabalhou quase um ano e voltou quase morto. O patrão tirara-lhe uma tira
de couro desde o pescoço até o fim das costas e nada mais lhe dera. Pedro ficou
furioso e saiu para vingar o irmão.
Procurou o mesmo fazendeiro e
pediu trabalho. O fazendeiro disse que o empregava com duas condições; não
enjeitar serviços e do que primeiro ficasse zangado tirava o outro uma tira de
couro. Pedro Malazarte aceitou.
No primeiro dia foi trabalhar
numa plantação de milho. O patrão mandou que uma cachorrinha o acompanhasse. Só
podia voltar quando a cachorra voltasse para casa. Pedro meteu o braço no
serviço até meio-dia. A cachorrinha deitada na sombra nem se mexia. Vendo que
era combinação Malazarte largou uma paulada na cachorra que esta saiu ganindo e
correu até o alpendre da casa. O rapaz voltou e almoçou. Pela tarde nem
precisou bater na cachorra. Fez o gesto e o bicho voou no caminho.
No outro dia o fazendeiro
escolheu outra tarefa. Mandou-o limpar a roça de mandioca. Pedro arrancou toda
plantação, deixando o terreno completamente limpo.
Quando foi dizer ao patrão o que
fizera este ficou feio.
- Zangou-se, meu amo?
- Não senhor, - respondeu o
patrão.
No outro dia disse que Pedro trouxera
o carro de bois carregado de pau sem nós. Malazarte cortou quase todo o bananal,
explicando que bananeira é pau que não tem nó. O patrão ficou frio:
- Zangou-se, meu amo?
- Não senhor.
No outro dia mandou-o levar o carro,
com a junta de bois, para dentro de uma sala numa casinha perto, sem passar
pela porta. E para melhor atrapalhar, fechou a porta e escondeu a chave.
Malazarte agarrou um machado e
fez o carro em pedaços, matou os bois, esquartejou-os e sacudiu, carnes e
madeiras, pela janela, para dentro da sala. O patrão, quando viu, ficou preto:
- Zangou-se, meu amo?
- Não senhor.
Mandou vender na feira um bando
de porcos. Malazarte levou os porcos, cortou as caudas e vendeu-os todos por um
bom preço. Voltando enterrou os rabinhos num lamaçal e chegou em casa gritando
que a porcada esta atolada no lameiro. O patrão foi ver e deu o desespero.
Malazarte sugeriu cavar com duas pás. Correu para casa e pediu à dona que lhe
entregasse dois contos de réis. A velha não queria mas o rapaz para certificá-la,
perguntava ao patrão por gestos se devia levar um ou dois, e mostrava os dedos.
Ante aos gritos do amo, a velha entregou o dinheiro ao Pedro. Voltou para o
lameiro e começou a puxar a cauda de cada porco que dizia estar enterrado. Ia
ficando com todas na mão. O patrão ficou suando mas não deu mostras de zanga. E
Pedro ainda negou que tivesse recebido dinheiro.
Vendo que ficava pobre com aquele
empregado, o fazendeiro resolveu matá-lo o mais depressa possível, de um modo
que não o levasse à justiça. Disse que andava um ladrão rondando o curral e
deviam vigiar, armados, para prender ou afugentar a tiros. A idéia era atirar
em Malazarte e dizer que se tinha enganado, supondo-o um malfeitor. De noite o
fazendeiro foi para o curral e Pedro devia substituí-lo ao primeiro cantar do
galo. Quando o galo cantou, Malazarte acordou a velha e disse que o marido a
esperava no curral, e que levasse a outra espingarda, porque ele, Pedro, ia
fazer o cerco pelo outro lado.
A velha apanhou a carabina e foi,
sendo morta pelo fazendeiro com um tiro certo de que abatia, pelo vulto, o
atrevido criado. Assim que a velha caiu, Pedro apareceu chorando e acusando o
amo. Este, assombrado pagou muito dinheiro para não haver conhecimento da
justiça e ofereceu ainda mais dinheiro se o Malazarte se fosse embora, sem mais
outra proeza. O rapaz aceitou e voltou rico para casa dos pais.