quinta-feira, 22 de agosto de 2013

O Saci



Por aquele tempo o saci andava desesperado. Tinham-lhe surrupiado a cabaça de mandinga. O moleque, extremamente irritado, vagueava pelos fundões de Goiás.
Pai Zé, saindo um dia à cata dumas raízes de mandioca castela que Sinhá-dona lhe pedira, topou com ele nos grotões da roça.
 
O preto, abandonando a enxada e de queixo caído, olhava pasmado o negrinho que lhe fazia caretas e trejeitos, a saltar no seu único pé, e fungando terrivelmente.
- Vancê quer alguma coisa? – perguntou pai Zé admirado, vendo agora o moleque rodopiar como o pião de ioiô.
 
- Olha negro, - respondeu o saci, - vancê gosta de sá Quirina, aquela mulata de sustância: pois eu lhe dou a mandinga com que ela há de ficar enrabichada, se vancê me arranjá uma cabaça que perdi.
 
Pai Zé, louco de contentamento, prometeu. A cabaça, ele sabia-o, fora amoitada pelo Benedito Galego, um caboclo sacudido que, cansado das malandrices do moleque, a tinha roubado das grimpas do jatobá grande, lá nas roças do ribeirão.
 
Pai Zé fora uns do que o tinham aconselhado, para obstar que o saci, como era de sue costume quando incomodado, tornasse a levantar as árvores da derrubada que o Benedito fizera nessas terras.
 
Arrastando as alpercatas de couro cru pelas terras de sô feitor, pai Zé capengava satisfeito e inchado com a promessa do Saci.
 
Desde Santo Antônio que ele rondava sá Quirina, procurando sempre ocasião de lhe mostrar que apesar dos seus sessenta e cinco anos e meio, um olho de menos e falta de dente na boca, não era negro para se desprezar assim por um canto, não, que sustância ainda ele ainda tinha no peito para agüentar com a mulata e mais a trouxa de sá Quitéria, sua mulher, se ele tinha!
 
Mas a cafuza era dura de gente convencer. Toda a eloqüência que ele penosamente engendrara em seu bestunto de africano e que lhe tinha despejado pela festa de São Pedro, não teve outro resultado senão a fuga da roxa quando o encontrava.
 
Mas agora, gaguejava o preto, eu lhe amostro, - que o saci é mesmo bicho bom pra deitar um feitiço.
 
Com a rica dádiva dum quartilho de cachaça e meia-mão do seu fumo pixuá, pai Zé alcançou do galego a cabaça desejada.
 
Sá Quitéria, porém, não via com bons olhos o afã de seu velho pela posse da milonga. E ela também deitar quebrando, se sabia!
 
- Perguntassem a bruxa de nhá Benta, que desde as vésperas de reis estava entrevada na trempe do jirau e não era zarolho e cambaio do seu homem que a enganasse.
 
Por isso a velha ciumenta estava de tocaia, desejosa por saber de seu intento. Lá ia pai Zé, arrastando novamente as alpercatas de couro cru pelas terras de sô feitor, à entrevista do saci. Atrás dele, sorrateira, lá ia também sá Quitéria.
 
O negro chegou aos grotões e chamou pelo saci, que de pronto apareceu.
 
-Toma lá a sua cabaça de mandinga, seu saci, e dá-me cá o feitiço pra sá Quirina.
 
O moleque desbarretou-se, tirou uma pitada grossa da cumbuca, fungou, e entregando o resto a pai Zé, disse: "Dá-lhe a cheirar esta pitada, que a crioula é sua escrava".
 
E desapareceu, fungando, pulando no seu único pé, nos grotões e covoadas da roça.
 
"Ah, negro velho dos infernos, que conheci a tua tramóia", gritou sá Quitéria furiosa, saindo do bambuzal e segurando-o pelo papo.
 
E, na luta do casal, lá se foi o feitiço que o pobre pai Zé adquirira com o sacrifício dum quartilho de cachaça, e a meia mão do seu bom fumo pixuá.
 
Desde então, nunca mais houve paz no casal, que se devorava às pancadas; e pai Zé arrenegava sem descanso o maldito que introduzira a discórdia no seu rancho.
 
Porque, o ioiô, concluiu o preto velho que me contava essa história, a todo aquele que viu e falou com o saci, acontece sempre uma desgraça.



 

Fonte: Regina Lacera - Portal São Francisco. 


terça-feira, 13 de agosto de 2013

A Avó





A avó, que tem oitenta anos,

Está tão fraca e velhinha!...

Teve tantos desenganos!

Ficou branquinha, branquinha,

Com os desgostos humanos.

Hoje, na sua cadeira,

Repousa, pálida e fria,

Depois de tanta canseira:

E cochila todo o dia,

E cochila a noite inteira.

Às vezes, porém, o bando

Dos netos invade a sala...

Entram rindo e papagueiando:

Este briga, aquele fala,

Aquele dança, pulando...

A velha acorda sorrindo.

E a alegria a transfigura;

Seu rosto fica mais lindo,

Vendo tanta travessura,

E tanto barulho ouvindo.

Chama os netos adorados,

Beija-os, e, tremulamente,

Passa os dedos engelhados,

Lentamente, lentamente,

Por seus cabelos doirados.

Fica mais moça, e palpita,

E recupera a memória,

Quando um dos netinhos grita:

"Ó vovó! conte uma história!

Conte uma história bonita!"

Então, com frases pausadas,

Conta histórias de quimeras,

Em que há palácios de fadas,

E feiticeiras, e feras,

E princesas encantadas.. .

E os netinhos estremecem,

Os contos acompanhando,

E as travessuras esquecem,

- Até que, a fronte inclinando

Sobre o seu colo, adormecem...


(Olavo Bilac)

sexta-feira, 22 de março de 2013

A quem pertence?




Perto de Tóquio vivia um grande samurai, já idoso, que se dedicava a ensinar zen aos jovens. 
Apesar de sua idade, corria a lenda de que ainda era capaz de derrotar qualquer adversário.
Certa tarde, um guerreiro conhecido por sua total falta de escrúpulos apareceu por ali.
Queria derrotar o samurai e aumentar sua fama.

O velho aceitou o desafio e o jovem começou a insultá-lo.
Chutou algumas pedras em sua direção, cuspiu em seu rosto, gritou insultos, ofendeu seus ancestrais.
Durante horas fez tudo para provocá-lo, mas o velho permaneceu impassível.

No final da tarde, sentindo-se já exausto e humilhado, o impetuoso guerreiro retirou-se.
Desapontados, os alunos perguntaram ao mestre como ele pudera suportar tanta indignidade.
- Se alguém chega até você com um presente, e você não o aceita, a quem pertence o presente?
- A quem tentou entregá-lo, respondeu um dos discípulos.
- O mesmo vale para a inveja, a raiva e os insultos. Quando não são aceitos, continuam pertencendo a quem os carregava consigo.

A sua paz interior depende exclusivamente de você.
As pessoas não podem lhe tirar a calma.
Só se você permitir...




Autor e fonte desconhecidos

segunda-feira, 18 de março de 2013

Pato Injuriado



Bia Bedran

Era uma vez um pato que vivia bem à toa
Passava o dia inteirinho na lagoa
Mas não gostava de nadar na água do rio
pois tinha sombra e ele sentia muito frio
Ainda por cima o homem tinha
homem tinha construído
muita usina e o rio andava poluído
Então assim o pato andava intoxicado
(... resfriado ... adoentado)
Com tanta química ficava intoxicado
(... depenado ... envenenado)
Com tanta química ficava intoxicado
(... apatetado ... adoentado ...
Depenado ... resfriado ... enjoado ... envenenado ... destroçado ... esmigalhado)
Coitado do pato!