segunda-feira, 20 de março de 2017

O Contador de Histórias


- (Herman Hesse)

- Conta-me uma história – pedia-lhe a moça.
- Tenho de pensar! – respondia-lhe. 
Ora, acontecia que, por vezes, o tempo que levava em sua meditação era longo demais para ela, que se zangava. Mas ele balançava a cabeça e respondia impassível: 
- Você deve ter um pouco mais de paciência. Uma boa história é como uma boa montaria. A caça brava fica escondida e é preciso armar emboscadas e ficar de tocaia horas e horas a fio, na boca dos precipícios e florestas. Os caçadores mais apressados e impetuosos afugentam a caça e nunca obtêm os melhores exemplares. Deixa-me, pois, pensar!
Mas, desde que tivesse meditado o tempo bastante e começasse a falar, não parava enquanto não tivesse contado a história completa, que corria ininterrupta e fluente como um rio descendo montanha abaixo e em cujas águas tudo se reflete – desde a pequena folha de grama até o azul da abóbada celeste(...). 
Convertia-se num ser todo-poderoso assim que iniciava mais uma demonstração de sua arte, pois aprendera a arte de narrar no Oriente, onde essa função é altamente apreciada e seus praticantes são considerados uma espécie de magos. 
Jamais começava suas histórias em países estranhos, para onde o espírito do ouvinte não podia voar com força própria. 

Principiava sempre com algo que os olhos pudessem ver; depois, imperceptivelmente, levava a imaginação dos ouvintes para onde muito bem ele queria de modo que a narrativa transcorria com naturalidade. Quem o escutava absorto em suas palavras, embora continuasse tranquilamente sentado, o espírito já vagava. Alegre e receoso, pelas regiões mais fascinantes. Assim era a maneira de ele contar suas histórias.

sábado, 18 de março de 2017

O batismo do Burro



 Pragas de padre parecem que são um acontecimento comum em várias cidades do Brasil.
Contam as pessoas idosas do município de Jaborá que, por volta de 1925, numa das visitas do Padre que vinha do Rio Grande do Sul (Gaurama), algumas pessoas faltaram gravemente com respeito para com este religioso, impondo-lhe realizar o batismo de um burro, animal de propriedade de uma pessoa poderosa do município. 
       Em virtude do fato, o religioso teria lançado uma maldição sobre esta localidade, dizendo que jamais Jaborá haveria de progredir. 
       O povo, anos mais tarde, preocupado com esse fato negativo, pediu ao então Padre responsável pela Paróquia, Frei Albino, que solicitasse uma bênção do Papa para anular a maldição. E assim foi feito: Frei Albino conseguiu essa bênção apostólica do Papa Paulo VI, em 20/05/66. 
       Mesmos assim, o povo não perdeu o receio da maldição nesta localidade e, ainda hoje, relaciona o fato de Jaborá continuar sendo uma cidade pequena à maldição, lançada pelo antigo Pároco.



Colaboração: Cleusa Manthey, professora Jaborá SC, cidade do Oeste do estado, e aluna da faculdade de Pedagogia da UNOESC (Literatura Infantil, 2º sem. 2002)

sexta-feira, 10 de março de 2017

Várias de Pedro Malasartes


Um casal de velhos possuía dois filhos homens, João e Pedro, este tão astucioso e vadio que o chamavam Pedro Malasarte. Como era gente pobre, o filho mais velho saiu para ganhar a vida e empregou-se numa fazenda onde o proprietário era rico e cheio de velhacarias, não pagando aos empregados porque fazia contratos impossíveis de cumprimento. João trabalhou quase um ano e voltou quase morto. O patrão tirara-lhe uma tira de couro desde o pescoço até o fim das costas e nada mais lhe dera. Pedro ficou furioso e saiu para vingar o irmão.
Procurou o mesmo fazendeiro e pediu trabalho. O fazendeiro disse que o empregava com duas condições; não enjeitar serviços e do que primeiro ficasse zangado tirava o outro uma tira de couro. Pedro Malasarte aceitou.
No primeiro dia foi trabalhar numa plantação de milho. O patrão mandou que uma cachorrinha o acompanhasse. Só podia voltar quando a cachorra voltasse para casa. Pedro meteu o braço no serviço até meio-dia. A cachorrinha deitada na sombra nem se mexia. Vendo que era combinação Malasarte largou uma paulada na cachorra que esta saiu ganindo e correu até o alpendre da casa. O rapaz voltou e almoçou. Pela tarde nem precisou bater na cachorra. Fez o gesto e o bicho voou no caminho.
No outro dia o fazendeiro escolheu outra tarefa. Mandou-o limpar a roça de mandioca. Pedro arrancou toda plantação, deixando o terreno completamente limpo.
Quando foi dizer ao patrão o que fizera este ficou feio.
- Zangou-se, meu amo?
- Não senhor, - respondeu o patrão.
No outro dia disse que Pedro trouxera o carro de bois carregado de pau sem nós. Malasarte cortou quase todo o bananal, explicando que bananeira é pau que não tem nó. O patrão ficou frio:
- Zangou-se, meu amo?
- Não senhor.
No outro dia mandou-o levar o carro, com a junta de bois, para dentro de uma sala numa casinha perto, sem passar pela porta. E para melhor atrapalhar, fechou a porta e escondeu a chave.
Malazarte agarrou um machado e fez o carro em pedaços, matou os bois, esquartejou-os e sacudiu, carnes e madeiras, pela janela, para dentro da sala. O patrão, quando viu, ficou preto:
- Zangou-se, meu amo?
- Não senhor.
Mandou vender na feira um bando de porcos. Malasarte levou os porcos, cortou as caudas e vendeu-os todos por um bom preço. Voltando enterrou os rabinhos num lamaçal e chegou em casa gritando que a porcada esta atolada no lameiro. O patrão foi ver e deu o desespero. Malasarte sugeriu cavar com duas pás. Correu para casa e pediu à dona que lhe entregasse dois contos de réis. A velha não queria mas o rapaz para certificá-la, perguntava ao patrão por gestos se devia levar um ou dois, e mostrava os dedos. Ante aos gritos do amo, a velha entregou o dinheiro ao Pedro. Voltou para o lameiro e começou a puxar a cauda de cada porco que dizia estar enterrado. Ia ficando com todas na mão. O patrão ficou suando mas não deu mostras de zanga. E Pedro ainda negou que tivesse recebido dinheiro.
Vendo que ficava pobre com aquele empregado, o fazendeiro resolveu matá-lo o mais depressa possível, de um modo que não o levasse à justiça. Disse que andava um ladrão rondando o curral e deviam vigiar, armados, para prender ou afugentar a tiros. A ideia era atirar em Malasarte e dizer que se tinha enganado, supondo-o um malfeitor. De noite o fazendeiro foi para o curral e Pedro devia substituí-lo ao primeiro cantar do galo. Quando o galo cantou, Malasarte acordou a velha e disse que o marido a esperava no curral, e que levasse a outra espingarda, porque ele, Pedro, ia fazer o cerco pelo outro lado.

A velha apanhou a carabina e foi, sendo morta pelo fazendeiro com um tiro certo de que abatia, pelo vulto, o atrevido criado. Assim que a velha caiu, Pedro apareceu chorando e acusando o amo. Este, assombrado pagou muito dinheiro para não haver conhecimento da justiça e ofereceu ainda mais dinheiro se o Malasarte se fosse embora, sem mais outra proeza. O rapaz aceitou e voltou rico para casa dos pais.