sábado, 16 de dezembro de 2017

Eu sei, mas não devia

Marina Colasanti

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.

(1972)

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Bruxa Malvada


Bruxa malvada
Décima terceira fada
Alguém tinha de ser
Se não fosse a bruxa, coitada!
Nada ia acontecer,
A história nem começaria
Tudo, como estava, permaneceria.
Mas a fada rejeitada
Tinha a chave de toda sorte
E condenou a princesa à morte.
Bruxa alguém haveria de ser
E cumprir sua missão
Fazer o mal agir
E promover evolução
Algo tem de destruir
Para a vida fluir,
Se renovar.
Desde o princípio já havia
O que dela dependeria,
Salvar o reino de uma vida estagnada
Por causa daquela que foi rejeitada.
A princesa precisava a bruxa encontrar.
Sem que adormecesse, não poderia despertar.
Sem o mal o bem não venceria
E a princesa ainda estaria
No mesmo lugar.

Autoria -???

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

São Francisco


Lá vai São Francisco
Pelo caminho
De pé descalço
Tão pobrezinho
Dormindo à noite
Junto ao moinho
Bebendo a água
Do ribeirinho

Lá vai São Francisco
De pé no chão
Levando nada
No seu surrão
Dizendo ao vento
Bom dia, amigo
Dizendo ao fogo
Saúde, irmão

Lá vai São Francisco
Pelo caminho
Levando ao colo
Jesus Cristinho
Fazendo festa
No menininho
Contando histórias
Pros passarinhos

Vinicius de Moraes

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

A Galinha Preta


Martina Schlossmacher e Iskender Gider

Numa fazenda, entre muitas galinhas brancas, vivia uma galinha preta. Era uma galinha comum, mas os ovos que ela botava não eram como os outros. Cada um tinha uma forma diferente.
E, na verdade, nenhum deles tinha forma de ovo.
As galinhas brancas viviam zombando dela:
 __Esses ovos esquisitos nem cabem nas cestas de ovos __elas diziam.
Um belo dia, o coelho da páscoa, apareceu no galinheiro querendo escolher ovos para pintar.
As galinhas mostraram orgulhosas  o que tinham produzido. A galinha chefe se adiantou, dizendo que em nenhum outro lugar ela encontraria ovos tão bonitos e regulares. A galinha preta ficou lá dentro, muito triste por não poder mostrar os ovos dela.
A galinha chefe chamou a galinha preta  às falas:
__Isso é um absurdo! Você é um incompetente, seus ovos são uma vergonha para nosso galinheiro. Faça o favor de entrar no paiol e não aparecer por aqui, fora! Não quero que você seja vista junto com outras galinhas.
O coelho da páscoa encheu sua cesta de ovos e já ia indo embora quando ouviu um soluço lá no paiol. Ele abriu a porta devagarzinho e viu a galinha preta chorando ao lado do ninho. O coelho ficou impressionado. Nunca na vida tinha visto ovos tão fantásticos como os que estavam ali naquele ninho.
Então o coelho da páscoa teve uma idéia:
__Sabe de uma coisa? Ele disse para a galinha preta!
__Este ano vou dar os seus ovos de presente ao rei! Ele deve estar achando muito monótono comer ovos iguaiszinhos, todos os dias. Vamos, não fique triste, deixe comigo! O rei vai adorar seus ovos!
Apesar de toda experiência, não foi fácil para o coelho de a páscoa pintar todos aqueles ovos de formas tão estranhas. Mas ele conseguiu. Usou cores muito bonitas e fez pinturas de vários estilos. E além dos ovos do rei, ele precisava pintar muitos outros, pois não é só rei que gosta de ganhar ovos de páscoa. O coelho pintava um ovo atrás do outro, e às vezes até confundia páscoa com natal.
No dia da páscoa, o coelho saiu bem cedinho para distribuir os ovos. Ninguém o viu passar, mas ninguém deixou de achar um lindo ovo de páscoa escondido em algum lugar. Nem o Rei.
Na verdade, aquela manhã o rei não estava com a menor vontade de procurar ovos. Preferia mil vezes dormir mais um pouco. Mas ele tinha de cumprir suas obrigações reais e , meio sonolento, saiu em busca dos ovos de páscoa.
__É todo ano a mesma coisa, ele pensou.
No ano anterior, tinha sido mais fácil. Será que o coelho da páscoa tinha esquecido dele?
Cansado, o Rei resolveu sentar-se no trono. Mas ele não  viu coisa alguma.
Que surpresa! Que maravilha! Nunca na vida o rei tinha visto ovos  como aqueles. Ele abriu um sorriso que ocupou o rosto inteiro. Finalmente aconteceu alguma coisa diferente.
__Preciso conhecer o coelho da páscoa que me trouxe esses ovos!
Imediatamente ele mandou aprontar a carruagem para sair em busca do coelho. Os dois ficaram espantados quando se viram frente a frente. O coelho contou onde tinha arranjado aqueles ovos diferentes e o Rei quis ir até lá.
As galinhas ficaram no maior alvoroço quando viram o Rei chegar. O que será que ele queria no galinheiro?
O rei encarou as galinhas, uma por uma. __Quem de vocês botou estes ovos tão lindos? __ele perguntou, mostrando a cesta cheia de ovos de formas diferentes.
A galinha-chefe se adiantou e cacarejou:
__Fui eu! Eu sou a chefe do galinheiro.
Enquanto isso, a galinha preta continuava escondida num canto do paiol. De repente o rei entrou, e ela ficou tão assustada que botou mais um ovo. O coelho da páscoa foi logo dizendo:
__Esta é a galinha que bota estes ovos diferentes.
Muito feliz, o rei pegou o ovo mais lindo do mundo e o levantou para todos verem. Afagando a galinha preta, ele pediu:

Venha morar comigo no palácio. Eu queria que todas as manhãs você botasse um ovo lindo e diferente para mim. E assim aconteceu!

terça-feira, 12 de setembro de 2017

O VIOLINO MÁGICO


Dário era um bom mocinho, alegre e esperto, estimado por todos que o conheciam.
Um dia despedindo-se de sua família e de seus amigos, saiu de casa, para ganhar honradamente a vida. Ele era o mais velho dos cinco filhos que tinha o tio Pedro; e como a miséria lhes batia à porta, forçoso foi que o moço saísse, para não sobrecarregar o pai, em prejuízo dos irmãos menores, e também para ver se melhorava de sorte.
Ao despedir-se, o pai lhe dera por toda fortuna uma moeda de prata; e ele julgou-se rico, porque não conhecia o valor do dinheiro.
Caminhava alegremente pela estrada que conduzia à cidade, quando encontrou um velhinho, abrigado à sombra de uma árvore, gemendo e chorando.
Dotado de excelente coração, Dário tratou desveladamente do enfermo, e deu-lhe a sua única moeda de prata.
O velhinho, agradecido, disse:
– Já que foste tão caridoso, vou fazer-te um presente. Aqui tens este violino. Todas as vezes que o tocares, quem o ouvir não poderá resistir ao desejo de dançar.
Dário saiu satisfeito com o presente, e pouco adiante, encontrou-se com um judeu, homem avarento, que espoliava todo o mundo, emprestando dinheiro a altos juros, em troca de bons e valiosos penhores de prata, ouro e pedras preciosas, que nunca mais entregava aos respectivos donos.
Naquele mesmo instante o judeu acabava de perder um vintém, e procurava-o aflitamente, como se se tratasse de imensa fortuna.
O moço ofereceu-se para ajudá-lo; e, como tinha boa vista, enxergou a moeda de cobre caída no meio dos espinhos. Ia apanhá-la, mas o avarento não o consentiu, pensando que Dário fosse capaz de roubá-la.
– Ah! judeu, disse Dário consigo mesmo: desconfias de mim! Deixa estar que mo pagarás...
Esperou sentado; e, assim que viu o miserável dentro dos espinhos, começou a tocar o violino.
O judeu, escutando aqueles harmoniosos sons, começou a dançar; e quanto mais Dário tocava, tanto mais ele saltava, quase sem fôlego, rasgando a roupa, ferindo-se nos espinhos.
– Para! ... Para! ... Cessa esse violino do diabo! Para, que já não posso mais! berrava o judeu, desesperado, sempre a dançar.
O rapaz, porém, continuava sempre a vibrá-lo.
– Pelo amor de Deus, para com essa música, que te darei uma bolsa de ouro! ... disse, enfim, o avarento.
– Ah! isso é outro modo de falar! respondeu o mocinho, emudecendo o mágico violino, depois que o judeu atirou a bolsa.
No dia seguinte, chegando à cidade, Dário foi preso. O judeu tinha ido queixar-se que havia sido roubado por ele.
O moço foi condenado à morte.
No momento em que subia para a forca, pediu que lhe permitissem tocar pela última vez o violino.
O avarento, que estava ao pé do cadafalso, gritou logo:
– Não o deixem tocar mais! ... Não o deixem tocar! ...
O juiz, porém, que não via razões para recusar, acedeu.
Dário começou a vibrar o violino, e imediatamente todos – juiz, carrasco, soldados, homens, mulheres, velhos e crianças – todos começaram a dançar.
– Basta! gritava o juiz.
– Basta! gritava o povo.

Dário cessou a música. O juiz convenceu-se que o rapaz não era criminoso, perdoou-o, e mandou enforcar o judeu.

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Quintal


Bia Bedran

Brincar no quintal
Pra renascer a criança
Moleque levado, saci-pererê     
Que quer andar solto no mato
Mas vive trancado
Dentro de você

Sai correndo, muito ligeiro,
Voa que nem passarinho...
Pique esconde, pique ajuda,
Pique cola, pique ta,
Não deixa ninguém te pegar.

domingo, 13 de agosto de 2017

Pais...


Um menino de três anos foi com seu pai ver uma ninhada de gatinhos que haviam acabado de nascer. De volta a casa, contou, com excitação, para sua mãe que havia gatinhos e gatinhas.
- 'Como você soube disso?' perguntou a mãe.
- 'Papai os levantou e olhou por baixo', respondeu o menino.
 'Acho que ali estava a etiqueta'.

segunda-feira, 24 de julho de 2017

A Raposa e o Cancão




Passara a manhã chovendo, e o cancão todo molhado, sem poder voar, estava tristemente pousado à beira da estrada. Veio a raposa e levou-o na boca para os filhinhos. Mas o caminho era longo e o sol ardente. Mestre cancão enxugou e começou a cuidar do meio de escapar à raposa. Passam perto de um povoado. Uns meninos que brincavam começam a dirigir desaforos à astuciosa caçadora. Vai o cancão e fala:
        __ Comadre raposa, isso é um desaforo! Eu se fosse você não agüentava! Passava uma decompostura!...
        A raposa abre a boca num impropério terrível contra a criançada. O cancão voa, pousa triunfalmente num galho e ajuda a vaiá-la...


Recolhido no Ceará, por Gustavo Barroso (1912)
CASCUDO, Luís da Câmara.  Contos tradicionais do Brasil.
Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo, EDUSP, 1986.  p. 183.

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Que verdade!

     

 Se fosse ponte a prancha
               banda o bando
               rede ao ramo
               festa a feira
               paz a pomba,
Que verdade seria
o sonho de Maria!

                                     (Maria Dinorah)


(Panela no fogo,barriga vazia, Porto Alegre, L&PM, 1986).

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Um pouquinho de Céu


Gostaria de comprar um perfume,
Nada chique, algo simples —
Pensei numa fragrância…
Do cheirinho de chuva caindo nas ruas;
Ou talvez o cheirinho
De um bebê saído do banho;
Ou o aroma forte e dominante
De folhinhas de hortelã amassadas;
Sabe aquele cheiro delicioso
Do pão assado em casa?
Ou a fragrância esplendorosa
De lençóis limpos na cama?
E que tal o cheirinho de um bife
Na chapa e acebolado,
Ou o aroma delicado
Das flores na Primavera.
Talvez o aroma do mar
Num dia ventoso de inverno
Ou a fragrância mais sedutora
De uma chuva caindo no mato —
Eu gostaria de comprar um perfume
Qualquer fragrância simples serve —
Só um pouquinho do Céu,
Composto pelos elementos da terra.


—Helen Marshall

quarta-feira, 7 de junho de 2017

Radiação

Ramiro Vieira, no livro Cântico do Brasil Caboclo:




Na casa do Coroné
tem um rádio colossá
e eu vô lá cô Mané
Tudas
noite pra iscuitá.

Home cum vóis de muié,
muié cum vóis de animá
e eu num sei pruque é
que tudo é tão naturá...

Quando iscuito Nhô-Totico
a pensá eu sempre fico
numa baita confusão

Nóis só ôve mai num vêmo:
-- será que ele é memo
ô é a liga das nação?

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Roteiro de Padre Lourenço (Minas Gerais) -



Havia em certo lugar de Minas Gerais um vigário a quem os paroquianos chamavam de Padre Lourenço. Era muito bondoso, muito acessível às suas ovelhas mas, por isso mesmo, elas lhe tomavam todo o tempo com suas confissões.
A que xingava o marido, a que espiava a vizinha pelo buraco da fechadura, a que caluniava o caixeira da venda, afirmando, por toda parte, que ele lhe servia uma coisa, mas assentava outra, bem mais cara, na caderneta, não o deixavam em paz.
Sentido-se irremediavelmente perdidas na prestação de contas do Juízo Final, não apenas essas, mas as dezenas de beatas do lugar, nem bem cometiam o seu pecado, já corriam à Igreja para que o santo religioso lhes aliviasse a cacunda, absolvendo-as de tão perigosas culpas. E o vigário já não tinha tempo para coçar-se.
Acordava-se ele ao cantar dos galos e, em jejum, como é do preceito, corria para a nave umbrosa da Matriz, apenas alumiada por uma ou outra lamparina que ardia nos nichos e ia encafuar-se no confessionário, à espera de que uma a uma, de cabeça envolta no fichu, as beatas viessem referir-lhe, em voz untuosa, os seus pecados das últimas horas, suplicando-lhe absolvição. Ao terminar o serviço, as contritas mulheres estavam mais leves, mas em compensação o vigário já não podia mais de fraqueza, pois jejum tão prolongado não nenhum biscoito.
Então, para dividir o trabalho e torná-lo menos penoso, o acatado clérigo resolveu organizar um roteiro para as desobrigas, o qual foi lido do púlpito, um domingo à hora da missa, e dizia assim:
"Minhas devotas. Estou ficando velho e cansado e por isso, de agora em diante, resolvi seguir para as confissões este roteiro: aos domingos confessarei as preguiçosas; às segundas as maldizentes; às terças as ladras; às quartas as hipócritas; às quintas as bêbadas; às sextas as feiticeiras e aos sábados as comilonas e as erradas".

Desse dia por diante nenhuma daquelas santas beatas quis mais confessar-se na sua freguesia e o Padre Lourenço viveu ainda muitos anos, na santa paz do senhor.

segunda-feira, 22 de maio de 2017

O Chupim


Seu canto é melodioso. Não constrói ninhos, põe ovos nos ninhos de outras aves. O pássaro mais sacrificado pelo chupim é o tico-tico, daí o apelido de engana-tico. Vive em pequenos bandos destruindo e explorando o alheio.

O chupim era um pássaro trabalhador, bom e bonito. Fazia seu ninho com capricho e cuidava bem dos filhotes. Sobreveio, porém, uma guerra entre as aves e, da confusão, resultou queimarem o ninho do chupim. O pássaro conseguiu salvar-se milagrosamente, mas ficou todo chamuscado, todo preto. Perdeu assim, seu ninho, seus ovos e suas formosas penas.

Desse dia em diante, tornou-se preguiçoso e nunca mais construiu ninho. Passou a utilizar-se do ninho de outras aves, achando muito natural que lhe criassem os filhotes.

Quando o censuram, grita: Fazer ninho? Eu não. Tenho medo de novo incêndio…

É assim que vive este guloso parasita.

segunda-feira, 8 de maio de 2017

DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA MÃE


Por Lucélia de Cássia Clarindo

1- Toda mãe terá os direitos enunciados nesta declaração.
2- Toda mãe terá direito e oportunidades de ficar sempre ao alcance de seus filhos (para que eles possam explorá-la ou exibi-la).
3- Toda mãe terá direito de ser chamada de mãe, “manhê”, mamãe, maínha ou ser chamada em forma de choro (que ela entenderá).
4- Sendo o cargo e título de mãe permanente, pessoal e intransferível e de confiança, toda mãe terá sempre o carinho e amor dos filhos, dos filhos dos filhos e assim por toda geração.
5- Para seu desenvolvimento completo toda mãe terá direito a um lugar especial no coração, na cabeça e na casa dos filhos.
6- Toda mãe terá o direito de ser amada, protegida, ouvida, conservada, muita bem cuidada, preservada, emprestada e devolvida.
7- Toda mãe terá sempre o direito de ser mulher.
8- Em qualquer circunstância, as mães deveriam estar em primeiro lugar, na vida dos filhos, nas filas, no orçamento do governo...
9- Sendo que todo dia é dia das mães, toda mãe deveria ter o direito ao “Dia das Mães Descansadas”.
10- Toda mãe terá o direito da alegria em ver os filhos crescendo e crescer com eles. De esperar seu filho e depois ser esperado por ele. De ouvir seu riso, seu choro, de sentir sua cólica, sua dor de ouvido, de ver seus desenhos, ouvir suas histórias.
De acompanhar seus passinhos, seguir seus passos até perdê-los de vista. Enfim, toda mãe terá todos os direitos do mundo e além do direito de proteger seu filho, quem sabe um dia ela terá o direito de ser protegida por ele

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Livro


"É que eu sempre usei livro pra tudo... 
Pra saber ler, 
Pra altear pé de mesa, 
Pra aprender a usar a imaginação, 
Pra enfeitar sala, quarto, a casa toda, 
Pra ter companhia dia e noite, 
Pra aprender a escrever, 
Pra sentar em cima, 
Pra rir, pra gostar de pensar,
Pra ter apoio num papo, 
Pra matar pernilongo, 
Pra travesseiro, 
Pra chorar de emoção, 
Pra firmar prateleiras, 
Pra jogar na cabeça do outro na hora da raiva, 
Pra me-abraçar-com, pra banquinho pro pé.
Eu sempre usei livro pra tanta coisa, que a coisa que mais me espanta é ver gente vivendo sem livro."


(Lygia Bojunga)

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Conta uma lenda indígena


Conta uma lenda indígena que uma tribo tinha por costume quando alguém já tivesse aprendido tudo e tivesse todo conhecimento possível, essa pessoa ia então a uma montanha e montava seu acampamento e lá ficava separado à espera da morte.
Um velho índio conhecedor de toda a ciência e não tendo mais nada à aprender pra lá foi. Um pequeno índio da tribo foi visita-lo e o velho índio pediu pra menino pegar na fogueira uma brasa, pra que ele acendesse o cachimbo.
O menino foi então e colocou a ponta dos dedos em uma poça de lama, pegou a brasa e trouxe ao velho índio.esse surpreso perguntou:
_Porque colocou os dedos na lama? 
E o garoto respondeu:
_ Pra não queimar!
Imediatamente o índio se levantou, pegou as suas coisas e disse ao menino:
_Vamos voltar pra tribo! Se uma coisa assim simples eu desconhecia e um menino pode me ensinar deve ter muitas coisas ainda pra aprender.


"Moral da história: ninguém é velho e sábio o bastante a ponto de não ter mais nada à aprender, ninguém é jovem e com pouco conhecimento que não tenha algo pra nos ensinar"

segunda-feira, 3 de abril de 2017

Figueiras



Eloí Elisabet Bocheco


Minha vó, a velha Olímpia, era uma figueira que dava belos frutos dourados. Não sei se já nasceu com ares de figueira, ou se foi se tornando tal qual devido à convivência com as figueiras que cultivava no terreno próximo da cada ou se, um dia, sem que ninguém notasse, nascera de novo e viera ao mundo com o perfil das figueiras da terra.
Sempre que aquelas figueiras me dão a mão, é a mão da minha vó que seguro. As folhas das figueiras e as mãos da minha vó tinham a mesam textura cascuda e áspera, mas tanto ela como as figueiras davam frutos de enorme doçura.
Se volto a me sentar debaixo daquelas figueiras, logo vem a minha vó com um cesto de vime e, então, enchemos o cesto de figos e rimos de qualquer coisa que nossos olhos alcançam. Nem parecia que ela tinha o abismo em si, nem que vinha de tantos desertos de tão pronta que era para achar graça nas coisas mais miúdas que acontecem debaixo do céu.
Um caminho de formiga, uma minhoca que caísse da bica d'água, um grilo que saltasse, de repente, no chapéu, um louva-a-deus sobre a pedra, o melado que ficasse mais escuro que de costume, uma mamangava que tentasse entrar no cabelo, uma espiga de milho mal nascida, tudo era motivo de encantamento e risadas para a velha Olímpia.
Essas contas lúdicas que ela ia desfiando ao redor de si, juntei-as todas e, delas, fiz lindos colares que uso para enfeitar a alma.
Os figos maduros viravam doce, feito no tacho, sobre o fogo, aceso entre pedra, ao ar livre. Eu me sentava num toco de cabreúva para acompanhar a transformação dos figos das figueiras em doce. O tacho era, na verdade, um caldeirão mágico onde ela, maga cônscia de seus poderes, misturava magias de várias procedências, e mais os cantos da tarde: de cigarra, de sabiá, pomba-rola, bem-te-vi, canarinho, nhambu, curucaca, que entravam na massa e giravam nas voltas da colher de pau.
Com o olho, eu virava e desvirava o doce de figo: o doce chegava no ponto e o meu olho também. Depois de frio, era guardado em caixinhas de madeira e estocado no guarda-louças, de onde vinha à mesa no café da manhã e da tarde. Aquele era o doce de figo mais do outro mundo que já provei. Os que tenho encontrado, hoje em dia, misturam pós-mágicos de pouca confiança para os intestinos e para o coração.
Tinham, ainda, em comum, as figueiras e minha vó, a sombra boa, que atraía de longe. As figueiras, pelas folhas largas, e ela, pelas grandes asas, sempre abertas, feito sombrinhas abrigando do sol ardente. As duas tinhas seus silêncios pendentes: as figueiras, pelas chuvas de granizo, que abriam rombos em suas folhas, e a minha vó, devido a espinhos fincados na carne, por descuido do destino. As folhas das figueiras se refaziam das pedradas, e a minha vó ia mudando de lugar os espinhos da carne para não a espetarem sempre no mesmo lugar, e lhe dessem trégua para ir vivendo, sem perder o humor e o ludismo de que transbordava.
Vai ano e vem ano, e no entanto, conservo a afeição pelas figueiras. Plantei duas em meu quintal, em homenagem à minha vó. Tenho certeza de que ela já sabe, e tem vindo vê-las; sabe que estão cheias de folhas novas e de promessas, que não sei se vão cumprir, porque a terra é outra sob as suas raízes.

Haverão de vingar e dar sombra e frutos; principalmente sombra, onde me sentarei com minha vó e contaremos uma a outra as coisas deste e doutro mundo. 

segunda-feira, 20 de março de 2017

O Contador de Histórias


- (Herman Hesse)

- Conta-me uma história – pedia-lhe a moça.
- Tenho de pensar! – respondia-lhe. 
Ora, acontecia que, por vezes, o tempo que levava em sua meditação era longo demais para ela, que se zangava. Mas ele balançava a cabeça e respondia impassível: 
- Você deve ter um pouco mais de paciência. Uma boa história é como uma boa montaria. A caça brava fica escondida e é preciso armar emboscadas e ficar de tocaia horas e horas a fio, na boca dos precipícios e florestas. Os caçadores mais apressados e impetuosos afugentam a caça e nunca obtêm os melhores exemplares. Deixa-me, pois, pensar!
Mas, desde que tivesse meditado o tempo bastante e começasse a falar, não parava enquanto não tivesse contado a história completa, que corria ininterrupta e fluente como um rio descendo montanha abaixo e em cujas águas tudo se reflete – desde a pequena folha de grama até o azul da abóbada celeste(...). 
Convertia-se num ser todo-poderoso assim que iniciava mais uma demonstração de sua arte, pois aprendera a arte de narrar no Oriente, onde essa função é altamente apreciada e seus praticantes são considerados uma espécie de magos. 
Jamais começava suas histórias em países estranhos, para onde o espírito do ouvinte não podia voar com força própria. 

Principiava sempre com algo que os olhos pudessem ver; depois, imperceptivelmente, levava a imaginação dos ouvintes para onde muito bem ele queria de modo que a narrativa transcorria com naturalidade. Quem o escutava absorto em suas palavras, embora continuasse tranquilamente sentado, o espírito já vagava. Alegre e receoso, pelas regiões mais fascinantes. Assim era a maneira de ele contar suas histórias.

sábado, 18 de março de 2017

O batismo do Burro



 Pragas de padre parecem que são um acontecimento comum em várias cidades do Brasil.
Contam as pessoas idosas do município de Jaborá que, por volta de 1925, numa das visitas do Padre que vinha do Rio Grande do Sul (Gaurama), algumas pessoas faltaram gravemente com respeito para com este religioso, impondo-lhe realizar o batismo de um burro, animal de propriedade de uma pessoa poderosa do município. 
       Em virtude do fato, o religioso teria lançado uma maldição sobre esta localidade, dizendo que jamais Jaborá haveria de progredir. 
       O povo, anos mais tarde, preocupado com esse fato negativo, pediu ao então Padre responsável pela Paróquia, Frei Albino, que solicitasse uma bênção do Papa para anular a maldição. E assim foi feito: Frei Albino conseguiu essa bênção apostólica do Papa Paulo VI, em 20/05/66. 
       Mesmos assim, o povo não perdeu o receio da maldição nesta localidade e, ainda hoje, relaciona o fato de Jaborá continuar sendo uma cidade pequena à maldição, lançada pelo antigo Pároco.



Colaboração: Cleusa Manthey, professora Jaborá SC, cidade do Oeste do estado, e aluna da faculdade de Pedagogia da UNOESC (Literatura Infantil, 2º sem. 2002)

sexta-feira, 10 de março de 2017

Várias de Pedro Malasartes


Um casal de velhos possuía dois filhos homens, João e Pedro, este tão astucioso e vadio que o chamavam Pedro Malasarte. Como era gente pobre, o filho mais velho saiu para ganhar a vida e empregou-se numa fazenda onde o proprietário era rico e cheio de velhacarias, não pagando aos empregados porque fazia contratos impossíveis de cumprimento. João trabalhou quase um ano e voltou quase morto. O patrão tirara-lhe uma tira de couro desde o pescoço até o fim das costas e nada mais lhe dera. Pedro ficou furioso e saiu para vingar o irmão.
Procurou o mesmo fazendeiro e pediu trabalho. O fazendeiro disse que o empregava com duas condições; não enjeitar serviços e do que primeiro ficasse zangado tirava o outro uma tira de couro. Pedro Malasarte aceitou.
No primeiro dia foi trabalhar numa plantação de milho. O patrão mandou que uma cachorrinha o acompanhasse. Só podia voltar quando a cachorra voltasse para casa. Pedro meteu o braço no serviço até meio-dia. A cachorrinha deitada na sombra nem se mexia. Vendo que era combinação Malasarte largou uma paulada na cachorra que esta saiu ganindo e correu até o alpendre da casa. O rapaz voltou e almoçou. Pela tarde nem precisou bater na cachorra. Fez o gesto e o bicho voou no caminho.
No outro dia o fazendeiro escolheu outra tarefa. Mandou-o limpar a roça de mandioca. Pedro arrancou toda plantação, deixando o terreno completamente limpo.
Quando foi dizer ao patrão o que fizera este ficou feio.
- Zangou-se, meu amo?
- Não senhor, - respondeu o patrão.
No outro dia disse que Pedro trouxera o carro de bois carregado de pau sem nós. Malasarte cortou quase todo o bananal, explicando que bananeira é pau que não tem nó. O patrão ficou frio:
- Zangou-se, meu amo?
- Não senhor.
No outro dia mandou-o levar o carro, com a junta de bois, para dentro de uma sala numa casinha perto, sem passar pela porta. E para melhor atrapalhar, fechou a porta e escondeu a chave.
Malazarte agarrou um machado e fez o carro em pedaços, matou os bois, esquartejou-os e sacudiu, carnes e madeiras, pela janela, para dentro da sala. O patrão, quando viu, ficou preto:
- Zangou-se, meu amo?
- Não senhor.
Mandou vender na feira um bando de porcos. Malasarte levou os porcos, cortou as caudas e vendeu-os todos por um bom preço. Voltando enterrou os rabinhos num lamaçal e chegou em casa gritando que a porcada esta atolada no lameiro. O patrão foi ver e deu o desespero. Malasarte sugeriu cavar com duas pás. Correu para casa e pediu à dona que lhe entregasse dois contos de réis. A velha não queria mas o rapaz para certificá-la, perguntava ao patrão por gestos se devia levar um ou dois, e mostrava os dedos. Ante aos gritos do amo, a velha entregou o dinheiro ao Pedro. Voltou para o lameiro e começou a puxar a cauda de cada porco que dizia estar enterrado. Ia ficando com todas na mão. O patrão ficou suando mas não deu mostras de zanga. E Pedro ainda negou que tivesse recebido dinheiro.
Vendo que ficava pobre com aquele empregado, o fazendeiro resolveu matá-lo o mais depressa possível, de um modo que não o levasse à justiça. Disse que andava um ladrão rondando o curral e deviam vigiar, armados, para prender ou afugentar a tiros. A ideia era atirar em Malasarte e dizer que se tinha enganado, supondo-o um malfeitor. De noite o fazendeiro foi para o curral e Pedro devia substituí-lo ao primeiro cantar do galo. Quando o galo cantou, Malasarte acordou a velha e disse que o marido a esperava no curral, e que levasse a outra espingarda, porque ele, Pedro, ia fazer o cerco pelo outro lado.

A velha apanhou a carabina e foi, sendo morta pelo fazendeiro com um tiro certo de que abatia, pelo vulto, o atrevido criado. Assim que a velha caiu, Pedro apareceu chorando e acusando o amo. Este, assombrado pagou muito dinheiro para não haver conhecimento da justiça e ofereceu ainda mais dinheiro se o Malasarte se fosse embora, sem mais outra proeza. O rapaz aceitou e voltou rico para casa dos pais.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Ó Abre Alas


Ó abre alas
Que eu quero passar
Ó abre alas
Que eu quero passar
Eu sou da Lira
E não posso negar
Rosa de Ouro
É que vai ganhar
Ó abre alas
Que eu quero passar
Ó abre alas
Que eu quero passar
Eu sou da Lira
E não posso negar
Rosa de Ouro
É que vai ganhar
Ó abre alas
Que eu quero passar
Ó abre alas
Que eu quero passar
Eu sou da Lira
E não posso negar
Rosa de Ouro
É que vai ganhar
Ó abre alas
Que eu quero passar
Ó abre alas
Que eu quero passar
Eu sou da Lira
E não posso negar
Rosa de Ouro
É que vai ganhar



* Fontes: www.clubedochoro.com.br

               www.chiquinhagonzaga.com

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

A Lenda do Fogo



Nos tempos antigos as tribos de índios não conheciam o fogo. Eles sentiam muito frio e medo à noite pela falta dele. Então, um dia o pajé (o feiticeiro da tribo) escolheu um forte guerreiro, o mais corajoso de todos, e o encarregou de ir buscar o fogo no céu.
Japu foi o escolhido. O ritual começou: uma noite inteira de danças, rezas e contação de histórias foi feita. E naquela noite, por meio das feitiçarias do pajé, Japu se transformou num belo pássaro azul com penas cintilantes e bico da cor do fogo. No primeiro raio de sol, Japu voou para o céu de Tupã (o deus sol), para cumprir sua missão.

Lá, ele lutou muito com os raios, mas venceu. Assim, o Deus Tupã lhe deu uma centelha de seu fogo divino, a qual ele trouxe no bico. Quando chegou na terra, Japu finalmente deu aos homens aquele presente precioso.

Quando o pajé o desencantou, ele voltou à forma humana. Mas que tristeza! Japu percebeu que tinha ficado com o rosto todo deformado e queimado pelo fogo celeste! Ficou tão triste e envergonhado que pediu ao pajé que o encantasse outra vez. O pajé o atendeu e ele virou para sempre um pássaro azul com o bico da cor do fogo!
Então, quando vemos um pássaro azul com bico da cor do fogo passando por perto, já sabemos que é Japu trazendo o presente precioso fogo celeste para nós.


Adaptação de Tia Lourdes – Mitos e Lendas. Histórias que o povo canta. Revista Família Cristã, julho de 1989.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

O Quero quero



A lenda do quero-quero tem um fundo religioso, representando o castigo para aqueles que se recusam a ouvir e a viver a palavra de Deus.

Fugindo de Herodes, que determinara a matança de todas as crianças recém-nascidas, a Santa Família partiu em fuga para o Egito. Para não ser vista pelos soldados perseguidores, viajava à noite e se escondia de dia. Na longa caminhada noturna, era necessário que tudo se fizesse no mais completo silêncio. Silêncio esse, respeitado por todos os animais, encontrados pelo caminho. Era como se estivessem eles obedecendo a palavra de Deus, na proteção de Jesus, Maria e José.

Todos menos um: o implicante quero-quero. Este não parava de falar, e por sua desobediência, recebeu como castigo a tagarelice eterna, não parando mais de gritar, inclusive alertando os caçadores quanto à sua presença e correndo o risco de ser caçado.