sábado, 20 de agosto de 2011

A Noite do lobisomem


Festa no arraial. Osvaldo, vaqueiro metido a valente, animado, e assim falou com a mulher:

_Maria, aprepara as coisa que precisa, a modi nós ir na quermesse.

_Ce tá doido home! Fora do juízo? Noite de lua cheia! Cê sabe dos boato. Sturdia memo foi os leitão do cumpadi Toizinho...

_Bobage, Maria! Vai falá que ocê aquerdita nessa história de lobisome?

_Querdito sim, home. O povo aumenta, mas num inventa!

_Mais!... lobisome comigo, se é que existe, eu pego ele pras oreia e chuto a bunda dele!

_Credo in cruz, co'essas coisa num se brinca Osvardo!

— Muié, o bão de noite de lua-cheia é que os caminho tá claro, dá pra ir, divirti e dispois vortá tronqüilo.

E tanto insistiu o Osvaldo, que Maria acabou cedendo. Criança no colo, coração apertado, pé na estrada... lá se foi ela junto do marido.

E na festa, vixe! esse Osvaldo divertiu. Dançou catira, cantou moda-de-viola e comeu! Ah! Osvaldo se empanturrou: quentão, cocada, quebra-queixo, canjicada, tudo que tinha direito o Osvaldo experimentou, usou, abusou, deitou e rolou...

Maria, menino nos braços, já cansada:

_Osvardo, óia a hora, home! Ocê sabe dos boato, vamo antes das hora morta,

_Osvardo!

E o Osvaldo ligou? Nem aí! Bebeu, cantou, dançou e comeu que nem um padre.

Já era mais de onze da noite, quando o Osvaldo resolveu ir embora com a pobre da Maria. E ela, coitada! Era purinho medo! Medo de Lobisome. Criança no colo, mão no terço, coração e passo apertados. O Osvaldo, ainda animado, foi junto, cantando estrada afora.

Num determinado ponto do caminho, ele parou. Maria, aflita:

— Num pára, não home de Deus! Óia as hora morta, Osvardo!

Mas, o Osvaldo, clamando dor de barriga, falou pra Maria que esperasse um pouco, que ele ia no mato. E foi...

Maria ali ficou, criança no colo, terço na mão, tremendo que nem corda de violão velho. E o Osvaldo, no mato... demora e demora... Maria, cada vez mais tremendo de medo.

De repente, um barulho no mato. Seu corpo todo se arrepiou.

_Osvardo!

De novo, o barulho e um bufado:

_Osvardo?

Mais uma vez, o barulho, o bufado. E, agora, um uivo.

— Osvardo!!

E, então, aquela coisa medonha veio pra cima de Maria:

_Osvardo, o lobisome! Osvardoooooooooo!

E Maria, criança no colo, terço na mão, coração disparado, atravessou o outro lado da estrada e correu pasto afora. Na nuca o bafo da fera! Maria corria... corria... No caminho, um barranco! Maria subiu o barranco... E o bicho, atrás, roncando. Maria saltou o ribeirão, o bicho, atrás, babando. E Maria gritava:

_Osvardo! O Lobisome, Osvardo!

Maria vazou por uma cerca de arame farpado, a fera, atrás cercando. Por fim, Maria, criança no colo, terço na mão, subiu num coqueiro. O lobisome, atrás, bufando, babando e pulando. E mais uma vez, Maria gritou:

_Osvardo!

E ele? Nada!

Enquanto isso, debaixo do coqueiro, o lobisome tentava subir. Tentou uma... duas... três... Não conseguiu! Então, foi até a uma pedra que tinha por perto e começou a amolar suas garras. E bufando, tentou de novo. Maria, lá de cima, viu que aquela coisa danada conseguia, agora, chegar até a metade do tronco do coqueiro. Então, o lobisome deslizou e caiu lá embaixo. Novamente amolou suas garras na pedra. Pulou, bufando e roncando! Dessa vez, conseguiu chegar mais perto da pobre mulher. Deslizou de novo até chegar ao chão. E, outra vez, foi até a pedra. Amolou suas garras. E, de novo, tomou impulso... Agora, pulou, bufando roncando e babando, Maria sentiu aquele bafo e o bicho bem perto. Maria viu a enorme boca, buscando a criança. E a fera mordeu, Maria gritou, não pelo Osvaldo, mas pelo Divino Pai Eterno. E o lobisome caiu, levando na boca um pedaço da manta que envolvia o bebê. Maria, criança chorando no colo, terço na mão, coração quase pulando fora do peito, rezava, rezava... Em baixo, o lobisome: bufando, roncando, babando e esperando que Maria cansasse e descesse. Mas Maria ficou firme.

Madrugada se foi... O Lobisome já tinha ido embora. Ela sabia: Lobisome não tolera a luz do dia... Então, desceu do coqueiro. No seu colo, o menino dormia tranqüilo. A pobre mulher tomou o rumo de casa. Lá chegando, encontrou o Osvaldo, na cama, dormindo. Roncava que nem um porco. "Na hora do Lobisome, ocê mostrou que é memo um cagão" — pensava ela. E chegando mais perto, de repente, gritou:

_Osvardo!

Ele roncava de boca aberta e Maria acabava de perceber que, por entre seus dentes, estava preso um fiapo de coberta, a coberta que enrolava seu bebê na hora em que o lobisome atacou...

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